As denominações de origem controlada (DOC) são uma modalidade de propriedade intelectual, assim como as patentes, marcas registradas e direitos autorais. Contudo, são menos conhecidas e utilizadas como forma de proteção aos produtos gerados pela atividade inovadora de agentes privados. “Porto”, “Champagne”, “Havana”, “Parmigiano” e “Bordeaux” são exemplos de denominações de origem controlada conhecidas em todo o mundo.
A proteção internacional das apelações de origem foi instituída pelo Acordo de Lisboa, datado de 1958 e assinado por 17 países, excluindo o Brasil. O referido acordo define denominações de origem controlada como: “o nome geográfico de um país, região ou localidade que serve para designar um produto nele originado, cuja qualidade e características devem-se exclusivamente ou essencialmente ao ambiente geográfico, incluindo-se fatores humanos e naturais”.
Ficou definido nesse acordo que toda apelação de origem deve ser registrada no Bureau Internacional da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) para ser protegida internacionalmente. O Artigo 5(1) e suas provisões detalham como um país deve proceder para o registro internacional de suas DOC. Até setembro de 1991, 727 DOC foram registradas na OMPI em concordância com o Acordo de Lisboa.
A proteção das DOC, iniciada a partir do Acordo de Lisboa, significa proteger contra o uso de indicações geográficas para produtos não originados na região indicada pelo rótulo. Há duas razões principais para tal proteção: os consumidores devem ser protegidos contra práticas enganosas e tornou-se costume o uso de indicações de origem como nome de um produto qualquer (Bauemer, 1991).
Acredita-se, portanto, que denominação de origem deve ser considerada como um sinal de distinção de um produto, sendo que seu uso é reservado às empresas localizadas na área geográfica a que a indicação se refere. Constitui-se, consequentemente, em um direito de propriedade intelectual, pois as empresas localizadas na região da indicação de origem possuem o direito de excluir terceiros do uso da DOC.
Tipicamente, as denominações de origem são usadas em produtos de alta qualidade e prestígio. Devido à estreita ligação entre o produto e sua região de origem, ele adquire um caráter único e inimitável, pois as condições de clima e solo da região de origem conferem atributos intrínsecos ao produto nela originado. De fato, os consumidores de tais produtos reconhecem sua qualidade superior e caráter único e estão dispostos a pagar um preço prêmio, o qual deve cobrir o alto custo de produção, mais os custos de transação associados às denominações de origem.
Um problema que emerge no caso das denominações de origem controlada é um típico caso de “free-rider”, quando um produto contém em seu rótulo uma falsa indicação de procedência. As organizações sérias que se utilizam de uma DOC para diferenciar seus produtos são claramente lesadas em relação a seu direito de propriedade privado, além de os consumidores ficarem expostos ao oportunismo de empresas inidôneas, pois não têm certeza acerca da origem do produto que estão consumindo. Trata-se, pois, de uma típica situação de assimetria de informação.
A solução para tal problema é a adoção de uma lei de propriedade intelectual que garanta os direitos de propriedade dos agentes econômicos em relação a seus produtos com denominações de origem controlada e que salvaguarde os consumidores contra produtos de falsas procedências. O país com maior tradição internacional em relação às DOC é a França. Nesse país, as apelações de origem adquiriram uma expressiva importância sociológica, cultural e econômica, sendo consideradas parte do patrimônio nacional. A experiência francesa nessa matéria remonta ao século XVII, quando surgiu a primeira apelação de origem — Châteauneuf-du-Pape. Mas, somente em 1935, foi aprovado o sistema jurídico de Appellation d’Origine Contrôllée (AOC) e criado o Instituto Nacional das Apelações de Origem (INAO), organismo estatal sob a tutela dos Ministérios de Agricultura e Economia que regulamenta as ações de organizações que utilizam DOC.
Atualmente, o eficiente ambiente institucional francês serve de apoio a todas as iniciativas privadas, sendo que há 405 apelações de origem registradas e protegidas sob esse sistema de proteção legal. A noção de AOC encontrou sua máxima expressão no âmbito de vinhos e aguardentes, mas, a partir de 1990, a INAO passou também a registrar AOC para queijos.
Os produtos franceses com AOC são ricos pela experiência do passado, são únicos devido à sua estreita relação com suas regiões de origem e, por isso, alcançaram grande reputação e sucesso comercial no mercado internacional. O setor de AOC possui uma enorme importância econômica para o país, ocupando o primeiro posto nos excedentes da balança comercial francesa, com o equivalente a US$ 6 bilhões ao ano. O sistema francês de AOC compreende cerca de 90 mil produtores rurais e 5 mil empresas, gera 120 mil empregos e representa 1% do PIB francês.
No Brasil, a primeira iniciativa do gênero foi do CACCER. Em maio de 1993, foi criado o Conselho das Associações dos Cafeicultores do Cerrado (CACCER), sediado na cidade de Patrocínio, no Estado de Minas Gerais. O CACCER surgiu com a finalidade básica de promover o trabalho conjunto entre as oito associações de produtores de café que atuam nas regiões do Triângulo Mineiro e Alto da Paranaíba. Compreende cerca de 3.500 produtores rurais, 160 mil hectares plantados com pés de café e uma produção da ordem de 2.400.000 sacas de café em 1993, o equivalente a 12% da produção brasileira.
A criação do conselho permitiu a demarcação de uma região de origem, a qual produz café de alta qualidade, e o lançamento de uma marca para o produto, o “CAFÉ DO CERRADO”. A estratégia adotada pelo CACCER é de diferenciação da commodity café, através da padronização do produto e a criação de uma marca com selo de qualidade garantida e certificado de origem.
O CACCER desempenha o papel de representação única de todos os produtores da região, garantindo a qualidade dos serviços, a padronização do produto e o controle dos estoques. Também estabelece as cotas dos produtores, cuida do armazenamento, embarque, transporte e embalagem do produto, além de fazer convênios e o marketing comercial e institucional do “Café do Cerrado”.
Foi o concurso de qualidade do café, promovido pela empresa italiana de café expresso Illycaffè, que despertou na região o interesse para essa iniciativa. A Illycaffè produz um café expresso de excelente qualidade e compra sua matéria-prima dos produtores que apresentarem um adequado nível de qualidade no referido concurso, pagando um preço 35% acima do mercado internacional.
Pages: | 56-62 |
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Authors: | Fabio Ribas Chaddad Mestrando do PPGA/FEA/USP e Pesquisador do PENSA |
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